Diocese São Carlos abr 7, 2015

Minha primeira Semana Santa

Minha primeira Semana Santa

Um acontecimento vivido é finito. Um acontecimento lembrado é ilimitado. Daí a importância da história, principalmente quando ela nos faz recordar momentos felizes. Recordar é viver, nos recorda o poeta. Na verdade, reminiscênc ias fazem alguém sentir-se deliciosamente maduro e triste. A maturidade que supõe a infância e a tristeza porque a maturidade, muitas vezes, nos faz esquecê-la.

Há momentos na nossa vida que se tornam “mementos”, isto é, que não podem jamais ser esquecidos: a primeira professora, a primeira comunhão, o primeiro presente de natal ou de aniversário… E, entre tantos primeiros, quero hoje recordar a minha primeira Semana Santa. Mexo e remexo na história e me situo na pequenina Coromandel, de nossa máximo dez ruas e uma praça. Nasci em Patrocínio, mas passei os melhores dias de minha infância numa velha casa, em Coromandel.

Se eu quisesse resumir, em poucas palavras,o essencial daquilo que foi minha formação religiosa e moral, diria que vim de uma família católica, recebi de meus pais as primeiras lições do catecismo, fiz, aos sete anos, a minha primeira comunhão e, a partir daí, passei a fazer parte do grupo de coroinhas da paróquia.

As missas eram sempre de manhã, por causa do exigente jejum eucarístico. Depois da meia noite não se podia comer nada, senão não poderia receber a comunhão. Desde cedo aprendi a levantar cedo, mesmo porque, as aulas no Grupo Escolar, eram de manhã.

A nossa vida religiosa girava em torno das grandes celebrações ( Natal, Semana Santa, Páscoa, Pentecostes,  Festa da Padroeira…), mas alguns momentos chamavam mais a nossa atenção e aqui abro um parênteses para falar da Quaresma e da Semana Santa. Não sem antes lembrar que todas as cerimônias eram feitas em latim. Na quaresma, as imagens dos santos eram cobertas por um pano roxo, o que dava às igrejas uma conotação de tristeza e, para os pequeninos, de medo. Quase nada se podia fazer na quaresma: não se dançava, quase não se conversava, as roupas não podiam ser coloridas, não se batia o sino ( que era substituído pela matracas ).

A Semana Santa, precedida pelos quarenta dias de jejum e abstinência, se iniciava com a procissão de ramos. Ramos que eram bentos e que se guardava para serem queimados nos dias de chuvas de raios e trovões que assustavam a todos. Nas procissões, duas filas: uma para os homens e outra para as mulheres.

Lembro-me da procissão do encontro, quando os homens e as mulheres saíam de locais diferentes, os primeiros levando a imagem do Senhor Morto e as  mulheres carregando o andor com a imagem de Nossa Senhora das Dores. Era um momento de comoção, sobretudo quando a “Verônica” ( toda e preto, com um véu também preto) entoava  o lúgubre “ O vos omnes qui  transitis per viam , attendite et videte si es dolor similis sicut dolor meus”. E, enquanto cantava em latim o que em português se traduzia por “ ó vós todos que passais pelo caminho, vede se há dor igual à minha dor”, ia desenrolando um  pergaminho de tecido onde estava o rosto ensangüentado de Jesus, Não havia quem não chorasse e, naquele choro, muitos propósitos de conversão.

Na quinta-feira Santa, a instituição da Eucaristia e o tão esperado lava-pés. Todos os meninos disputavam o orgulho de ser escolhido para representar os apóstolos. Uma vez tive essa honra e minha mãe não me deixava sair de casa, o banho era mais caprichado e os pés eram lavados com capricho exagerado pois seriam beijados pelo Pe. Lázaro.

Sexta- feira Santa: a cidade morria, silêncio sepulcral. Às três horas da tarde, todos na igreja matriz. Lembro-me de quando, no meio daquele silêncio, o Pe. Lázaro entrou pela nave central e, ao se aproximar do altar, se prostrou. Levei um grande susto pensando que o padre tinha desmaiado.  Ficou prostrado por alguns minutos e depois, felizmente, se levantou e deu início à solene celebração da Paixão e Morte de Jesus. À noite, retornávamos à igreja para a procissão do Senhor Morto. No final da procissão, a longa fila para ‘ beijar a imagem’. Mais tarde, a tradicional “ malhação do Judas”, representado por um boneco de pano e todo mundo queria ‘tirar uma casquinha’, castigando aquele que fora o traidor, o responsável pela morte de Jesus.

No sábado Santo, o número dos fiéis era menor. A bênção da água e do fogo. O Círio Pascal. O “Exultet” solenemente proclamado e a Páscoa. Jesus Ressuscitou ! Não havia, como hoje, os “ovos de páscoa”, mas era um dia de festa.

Na Semana Santa, principalmente agora, quando as cerimônias não são mais em latim, quando há uma participação maior do nosso povo, é um momento forte para a vida da Igreja. Por isso mesmo é chamada de “Semana Maior”. Nela nós celebramos os principais mistérios da nossa fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

                Um Feliz e Santa Páscoa para todos !

 

                                                  Dom Paulo Sérgio Machado

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