Pe. Rubens mar 5, 2021

Iraque: Diferenças não devem gerar conflitos, mas cooperação, diz Papa às autoridades

Iraque: Diferenças não devem gerar conflitos, mas cooperação, diz Papa às autoridades

Da redação, com Santa Sé

Nesta sexta-feira, 5, após chegar ao Iraque, o Papa se encontrou com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático do país. O encontro aconteceu no salão do Palácio Presidencial, em Bagdá.

A visita é a primeira de um pontífice ao país e a primeira de Francisco após o inicio da pandemia. A 33ª Viagem Apostólica do Papa tem como lema: “Sois todos irmãos”.

.: Íntegra do discurso do Papa às autoridades 

O presidente Barham Ahmed Salih Qassim deu as boas vindas ao Papa, e falou da felicidade de receber o Pontífice na região.”Obrigado por aceitar nosso convite e por fazer-nos esta visita. Isso é prova de sua preocupação para com o Iraque. (…) O senhor é um grande e querido hóspede.”

Francisco iniciou seu discurso agradecendo a oportunidade de estar no país. Afirmou ser uma viagem “longamente esperada e desejada” ao Iraque. Lembrou que a região é berço de uma civilização estreitamente ligada, através do Patriarca Abraão e de numerosos profetas, à história da salvação e às grandes tradições religiosas do Judaísmo, Cristianismo e Islão.

O Papa agradeceu ao presidente pelo convite e pelas boas vindas, e saudou os presentes. E se dirigiu às autoridades religiosas, dentre elas também membros de outras igrejas cristãs e tradições religiosas. Francisco colocou-se como peregrino para animar o testemunho da fé, esperança e caridade.

“Que Deus nos faça caminhar juntos, como irmãos e irmãs, na ‘forte convicção de que os verdadeiros  ensinamentos das religiões convidam a permanecer ancorados aos valores da paz, (…) do  conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum’”, disse o Papa, cintando o Documento sobre a Fraternidade Humana.

Pandemia

O Papa lembrou que esta visita acontece em um momento em que o mundo inteiro está procurando sair da crise pandêmica de covid-19. Crise esta que não só atingiu a saúde de muitas pessoas, mas provocou também o deterioramento das condições sociais e econômicas já contusas por fragilidade e instabilidade.

“Esta crise requer da parte de cada um esforços conjuntos para se realizar os inúmeros passos necessários, incluindo uma justa distribuição das vacinas para todos. Mas não basta! Esta crise é sobretudo um apelo a repensar os nossos estilos de vida, o sentido da nossa existência. Trata-se de sair deste tempo de provação melhores do que éramos antes; de construir o futuro mais sobre o que nos une do que sobre o que nos divide.”, salientou.

Iraque

Francisco mencionou os sofrimentos do Iraque nas últimas décadas, em virtude de guerras e terrorismo. E os danos não foram só materiais, mas mais profundos quando se pensa nas feridas nos corações das pessoas.

O Papa recordou, dentre os tantos que sofreram, os yazidis, vítimas inocentes de uma barbárie insensata e desumana. Povo perseguido e morto por causa da sua filiação religiosa, estando em risco a sua própria identidade e sobrevivência.

“Somente se conseguirmos olhar-nos uns aos outros, com as respetivas diferenças, como membros da mesma família humana, é que poderemos iniciar um efetivo processo de reconstrução e deixar às gerações futuras um mundo melhor, mais justo e mais humano.”

Diálogo

A diversidade religiosa, cultural e étnica, que há milênios caracteriza a sociedade iraquiana – frisou o Papa- é um recurso precioso de que que se deve lançar mão, e não um obstáculo a ser eliminado.

“Hoje o Iraque é chamado a mostrar a todos, especialmente no Médio Oriente, que as diferenças, em vez de gerar conflitos, devem cooperar harmoniosamente na vida civil.”

O Papa afirmou que a convivência fraterna precisa do diálogo paciente e sincero, tutelado pela justiça e o respeito do direito.

“Não é uma tarefa fácil: exige esforço e empenho por parte de todos para superar rivalidades  e contrastes e dialogar a partir da identidade mais profunda que temos: a de filhos do único Deus e Criador”.

O Papa lembrou que a Santa Sé não se cansa de apelar às Autoridades competentes no Iraque, como noutros lugares, para que concedam a todas as comunidades religiosas reconhecimento, respeito, direitos e proteção.

Solidariedade

O Papa afirmou que em uma sociedade que se distingue pela unidade fraterna, os seus membros vivem solidariamente entre si. Citou a mensagem para o Dia Mundial da Paz, que diz que ‘a  solidariedade ajuda-nos a ver o outro como nosso próximo, companheiro de viagem’.

Ele também recordou os que perderam familiares e entes queridos, casa e bens primários, por causa da violência, da perseguição e do terrorismo no país. Citou ainda a realidade dos que lutam diariamente à procura de segurança e meios necessários para sobreviver, enquanto aumentam o desemprego e a pobreza.

“O fato de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros deveria inspirar todos os esforços para criar oportunidades concretas tanto no plano econômico como no campo da educação, e também no cuidado da criação, a nossa casa comum. Depois duma crise, não basta reconstruir; é preciso fazê-lo bem, de modo que todos possam ter uma vida digna. Duma crise, não se sai igual ao que se era antes: sai-se ou melhor ou pior.”

E lembrou a necessidade de uma política sadia, que dê esperança ao povo. “Como responsáveis políticos e diplomáticos, sois chamados a promover este espírito de  solidariedade fraterna”.

Peregrino da Paz

“Venho como penitente que pede perdão ao Céu e aos irmãos por tanta destruição e crueldade. Como peregrino de paz, em nome de Cristo, Príncipe da Paz.”

Francisco lembrou que há muitos anos se reza pela paz no Iraque. Recordou que o Papa João Paulo II não se poupou a iniciativas, e sobretudo ofereceu súplicas e sofrimentos por isso.

“E Deus escuta; escuta sempre! Cabe a nós ouvir a Ele, andar nos Seus caminhos. Calem-se as armas! Limite-se a sua difusão, aqui e em toda a parte! Cessem os interesses de parte, os interesses externos que se desinteressam da população local. Dê-se voz aos construtores, aos artífices da paz; aos humildes, aos pobres, ao povo simples que quer viver, trabalhar, rezar em paz! Chega de violências, extremismos, facções, intolerâncias! Dê-se espaço a todos os cidadãos que querem construir juntos este país, no diálogo, no confronto franco e sincero, construtivo. Quem se empenha pela reconciliação e o bem  comum esteja disposto a deixar os seus interesses de lado.”

Sociedade

O Papa salientou que, nesses anos, o Iraque procurou lançar as bases para uma sociedade democrática. Neste sentido, é indispensável assegurar a participação de todos os grupos políticos, sociais e religiosos e garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

“Que ninguém seja considerado cidadão de segunda classe. Animo os passos dados até agora neste caminho e espero que reforcem a serenidade e a concórdia.”

Em seu discurso, reforçou que a comunidade internacional tem um papel decisivo a desempenhar. Especialmente na promoção da paz no Iraque e em todo o Médio Oriente. Recordou o conflito na Síria, país vizinho, que já dura dez anos. O Papa lembrou que os esforços exigem uma cooperação à escala global. Enfrentar também as desigualdades econômicas e as tensões regionais que ameaçam a estabilidade da região.

Agradeceu aos Estados e às Organizações Internacionais que trabalham em prol da reconstrução do Iraque. Que dão assistência aos refugiados, aos deslocados internos e àqueles que têm dificuldade em retornar à própria casa. Que disponibilizam alimentos, água, abrigo, serviços de saúde e saneamento no país. E também programas visando a reconciliação e a construção da paz.

Assistência

O Papa recordou, ainda, as numerosas agências, entre as quais se contam diversas católicas, que há anos assistem com grande empenho as populações civis:

“Atender às necessidades essenciais de tantos irmãos e irmãs é um ato de caridade e justiça. Contribui para uma paz duradoura. Espero que as nações não retirem a mão amiga e construtora estendida ao povo iraquiano. Mas continuem a operar em espírito de responsabilidade comum com as autoridades locais, sem impor interesses políticos ou ideológicos.”

Francisco afirmou que a religião, por sua natureza, deve estar ao serviço da paz e da fraternidade. ‘O nome de Deus não pode ser usado para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão’, disse, citando o Documento sobre a Fraternidade Humana.

E disse: “Pelo contrário, Deus, que criou os seres humanos iguais em dignidade e direitos, chama nos a difundir amor, benevolência, concórdia. Também no Iraque, a Igreja Católica deseja ser amiga de todos. Através do diálogo, colaborar de forma construtiva com as outras religiões, para a causa da paz.”

O Papa lembrou a antiga presença dos cristãos no país. “A sua participação na vida pública, como cidadãos que gozam plenamente de direitos, liberdades e responsabilidades, testemunhará que um são pluralismo religioso, étnico e cultural pode contribuir para a prosperidade e a harmonia do país.”

Por fim, o Papa agradeceu pelos esforços das autoridades na edificação de uma sociedade caracterizada pela unidade fraterna, a solidariedade e a concórdia. “Nobre obra é o vosso serviço ao bem comum. Peço a Deus Onipotente que vos sustente nas vossas responsabilidades e guie a todos pelo caminho da sabedoria, da justiça e da verdade. Sobre cada um de vós, vossas famílias e entes queridos e sobre todo o povo iraquiano, invoco a abundância das bênçãos divinas.”

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