Diocese São Carlos mar 8, 2025

Vence o que se assemelha!

Vence o que se assemelha!

O relato das tentações de Jesus no deserto, que ouvimos nesse 1º Domingo da Quaresma, insere-se no contexto da manifestação messiânica e do início da missão pública de Nosso Senhor. Movido pelo Espírito, Ele se retira para o deserto, lugar de provação e encontro com Deus, onde jejuará por quarenta dias e enfrentará as investidas do maligno. O trecho evidencia a oposição entre o projeto salvador de Deus e as seduções do inimigo, que busca desviar o Filho do cumprimento de sua missão.

As tentações de Jesus são simbólicas, remetendo às provas enfrentadas por Israel no deserto (Dt 8,3; 6,13.16). A primeira tentação, transformar pedras em pão, alude à fome do povo no êxodo e à tentação do materialismo. A segunda, prostrar-se diante do diabo para obter poder, expressa o perigo da idolatria e da busca de domínio. A terceira, lançar-se do pináculo do templo, reflete a tentação do messianismo sensacionalista e espetaculoso, que busca sinais e prodígios. Em todas, Nosso Senhor responde com a Escritura, manifestando a fidelidade absoluta ao Pai.

Deste modo, esse Evangelho interpela à vivência autêntica da fé, sem sucumbir às tentações modernas que desviam do caminho do Reino. O apelo ao materialismo, ao consumismo, à busca desenfreada por poder e à superficialidade espiritual são realidades que desafiam o discípulo. A Quaresma, como tempo de conversão, convida à mudança da autossuficiência à confiança na Providência Divina, seguindo o exemplo de Cristo, que vence o tentador pela obediência e humildade.

A luta contra as tentações não é apenas um desafio moral, mas um caminho de configuração ao Senhor. São João Crisóstomo [1] adverte que a vitória sobre o maligno se dá pela mansidão e humildade. Além disso, o discípulo é chamado a combater as tentações, como Nosso Senhor o fez, com a Palavra de Deus. O silêncio orante e a escuta da Palavra tornam-se armas eficazes na batalha espiritual, pois quem se enraíza na Divina Vontade não se deixa enganar pelas ilusões do maligno.

Destarte, a narrativa aponta para a vitória definitiva de Cristo sobre o mal, antecipando sua Páscoa. A tentação é parte da experiência existencial de todos, assim como a debilidade da vontade humana perante as insídias do tentador, mas Nosso Senhor ensina que é possível resistir, desde que sustentado pela Divina Graça. O chamado quaresmal à conversão é um convite que conduz ao encontro profundo com a presença amorosa do Pai e à renovação da graça batismal na Páscoa, que fortalece para a vida nova em Cristo.

Assim, a Liturgia do 1º Domingo da Quaresma recorda que a vitória do Senhor sobre as tentações é a garantia de que, unidos a Ele, também se pode vencer. A fidelidade à Palavra e a vivência da humildade tornam-se caminho seguro para resistir às insídias do inimigo, conduzindo à verdadeira liberdade dos filhos e filhas de Deus e, perseverando fiéis, até a santa celebração de sua Páscoa.

Nota:

[1] Escreve São João Crisóstomo: “Vê como o Senhor não é perturbado, mas, com grande humildade, disputa sobre as Escrituras com o maligno, a fim de que tu te conformes ao Cristo tanto quanto possível. O diabo conhecia as armas de Cristo, pelas quais foi vencido. Pela mansidão, capturou-o; pela humildade, derrotou-o. Tu também, quando vires um homem mudado em diabo vir contra ti, vence-o dessa forma, ensinando tua alma a conformas suas palavras às palavras de Cristo. Com efeito, assim como o juiz romano não ouve a resposta daquele que não sabe falar como ele, também Cristo não te ouvirá nem te auxiliará se não falares como Ele.”

(Grupo de Reflexão Bíblico-litúrgica | Diocese de São Carlos)

Copyright ©2018. Todos os direitos reservados.