TEMPO DE MISERICÓRDIA
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Salvador (BA)
Páscoa é tempo de vida nova, na qual a misericórdia ocupa lugar especial. O domingo seguinte à solenidade da Páscoa é denominado “Domingo da Divina Misericórdia”, estabelecido por São João Paulo II. O Evangelho segundo João (Jo 20,19-31) narra o primeiro encontro de Jesus com os seus discípulos, após ter sido traído e abandonado na hora da cruz. Naquele encontro, a divina misericórdia se manifestou de modo especial. Ao invés de cobrar explicações ou de condená-los, ele lhes deseja a paz.
A palavra “misericórdia”, conforme a sua raiz etimológica latina, expressa o coração voltado para quem está sofrendo, através da compaixão, da solidariedade e do perdão, segundo as diversas situações vividas. Os sentimentos representados pelo “coração” são muito importantes; daí, a “compaixão”, que consiste em sofrer junto de quem mais sofre, em sentir a dor do outro. Mas a verdadeira misericórdia não se restringe aos sentimentos ou boas intenções, traduzindo-se em ações concretas. Um coração misericordioso não somente se “comove” com sentimentos de compaixão diante de quem sofre, mas, acima de tudo, “se move” em direção aos sofredores, com iniciativas concretas de solidariedade. A misericórdia se manifesta pela partilha com os necessitados, pelo serviço aos doentes e pelo perdão aos que erram, dentre outras atitudes e iniciativas.
“Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai”, afirma o Papa Francisco. Antes de ser uma virtude humana, a misericórdia é divina. Jesus nos revela a misericórdia do Pai através dos seus ensinamentos, especialmente pelas parábolas dedicadas à misericórdia, acerca da ovelha perdida, do Pai Misericordioso e do Bom Samaritano. Ele nos ensina a sermos “misericordiosos como o Pai” e proclama que “felizes são os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). A experiência da misericórdia divina permite vivenciar a misericórdia nos relacionamentos humanos.
Num mundo marcado por tanta agressividade e violência, a misericórdia torna-se ainda mais necessária. A humanidade necessita da força libertadora do perdão. As mãos que se elevam para o Pai suplicando misericórdia são as mãos que devem ser estendidas ao próximo para desejar o perdão e a paz. Neste tempo de enfermidade e de luto, os que mais sofrem necessitam de compaixão e solidariedade. É preciso aproximar-se de quem sofre, a fim de cuidar dos feridos e de levantar os caídos. Há muita gente sofrida e caída pelo caminho à espera de um bom samaritano que a levante, anime e conduza.
A misericórdia deve ser vivida nos diversos ambientes da sociedade, a começar das famílias. É preciso promover o perdão, a reconciliação e a paz. É preciso compaixão e solidariedade para atravessar este tempo sofrido da pandemia.
*Foto: Arquidiocese de São Salvador