O relacionar-se no mundo digital
Nos últimos anos as pessoas têm informações e todo tipo de conhecimento em mãos pelos seus smartphones e tablets. Consultam a previsão do tempo, as informações do trânsito, compram alimentos, alugam carros, fazem pagamentos e principalmente estão se relacionando nesse mundo digital.
Entramos no mundo digital pelo celular inteligente e computador que se tornaram uma extensão do nosso corpo. Eles nos acompanham vinte e quatro horas por dia; passam a noite na mesa, à nossa cabeceira. Acompanham-nos em nosso trabalho, lazer, carro, ônibus, aulas, palestras, deslocamentos e até na hora mais sagrada que é a das nossas refeições.
O mundo digital vem transformando e afetando a vida das pessoas, suas ideias, seu modo de viver a experiência cristã de Deus, o conviver e o agir. Os relacionamentos entre as pessoas sempre aconteceram por meio da linguagem, do encontro, do diálogo, do toque, do abraço e do acolhimento, amplos momentos presenciais.
Com as novas tecnologias digitais, aumentamos o número de relacionamentos com pessoas no mundo sincopada, áudios e vídeos. Recentemente, o contato, o relacionamento e o diálogo estão crescendo e são transformados pela “textualização eletrônica[1]”, compreendidos e mediados por computadores, aplicativos e celulares.
Destarte, podemos perceber como a tecnologia interfere e impacta o contato e o diálogo entre as pessoas. Essa nova maneira de relacionar aponta gargalos que vêm reafirmar, historicamente, mais uma vez, as perdas da Igreja Católica em relação ao papel preponderante que teve na formação da ética, da arte, das universidades, das escolas, dos hospitais, da economia e da política.
Zuboff, autora do livro “A era do Capitalismo de Vigilância”, faz uma crítica às plataformas de comunicação que buscam obter informações sem qualquer controle e ter domínio absoluto dos dados que os seus usuários deixam ao fazer uso de seus serviços.
A maioria dos usuários, ingenuamente, não tem consciência disso e, mesmo que tenhamos esse conhecimento, todos ficam expostos pelo controle que elas têm: os dados pessoais, os gostos, os interesses. A autora passa a maior parte da obra expondo as tentativas que tais plataformas fazem para não sofrerem qualquer tipo de controle.
No entanto, Zuboff afirma que os verdadeiros mediadores da comunicação entre as pessoas ou ações são os computadores. Quem possui a linguagem para o relacionamento são os computadores. Com o aumento de computadores, celulares e aplicativos, em nosso cotidiano, está aumentando a “textualização eletrônica” como relacionamentos.
Essa nova forma de capitalismo de relação e informação modifica o comportamento humano, tornando-o meio de produzir receitas, sob o controle do mercado, desumanizando-o, enquanto desconsidera a pessoa como Imagem e Semelhança de Deus.
A expressão “capitalismo de vigilância”, difundida por Shoshana Zuboff, é uma nova lógica econômica em vigor, na qual os dados pessoais são monitorados e comercializados por seis grandes empresas: Google, Amazon, Facebook, Instragram, Apple e Microsoft. Elas fazem essas mediações por meio da “textualização eletrônica” do relacionamento.
De acordo com pesquisas, 70% das notícias lidas pela internet são acessadas pelas plataformas Google e Facebook, nas quais os algoritmos estão funcionando com seus próprios critérios e interesses comerciais, políticos, éticos etc. No “capitalismo de vigilância”, tudo se transforma em um ciclo de extração, predição e venda de dados pessoais de usuários na comercialização. As grandes empresas utilizam essas informações para alimentar inteligências artificiais capazes de antecipar o comportamento humano em todas as dimensões.
Assim sendo, toda vez que acessamos, ou melhor, relacionamos com a internet através de uma busca, de um clique, de acesso a um link, ao fazer uma curtida, ao envolver-nos num site de relacionamento, ao compartilhar uma informação, estamos produzindo uma quantidade de dados para as empresas formadoras de opinião, deixando rastros.
Os algoritmos são capazes de saber sobre nossas inclinações, gostos, projetos, leituras, onde andamos, o que compramos, o que falamos, nossas opiniões, percebendo quem somos pelos dados que informamos. Essas informações sobre a ação humana pessoal, capturadas pelos aplicativos, estão modificando o comportamento humano com seus produtos de previsão.
O Papa Francisco faz um convite para trabalharmos a “cultura do encontro”. Ela vai ajudar a curar as feridas da humanidade contemporânea, renovar os pensamentos e as ações, orientando para a paz, recriando a unidade, respeitando a diversidade. Ela constrói pontes, resolve as diferenças, mediante formas de diálogo que nos permitem crescer como pessoas e criar um mundo justo, fraterno e solidário.
Na primeira mensagem para o Dia Mundial da Comunicação (2014), Francisco falou que “a cultura do encontro” requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber os outros.
Os mass media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias, em que as redes de comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. E acrescentou: “a proximidade toma forma de diálogo e cria uma cultura do encontro; vamos ao encontro daqueles que têm mais necessidade; somos chamados a promover a cultura do encontro”.
Vamos salvaguardar o diálogo e os encontros que modificam a vida das pessoas e transformam esquema mentais. O diálogo é pessoal e forte, coloca-nos face a face e faz acreditarmos no outro, suscitando adesão profunda e total, confiança e conversão.
[1] Textualização consiste na reprodução do conteúdo sonoro em palavras escritas pela narrativa coerente e transparente das intenções comunicativas do falante além da oralidade.
Cf. https://fonoaudiologiaforense.com.br/transcricao-de-audios