Miseráveis pelo pecado: necessitados da Divina Graça
(Secretaria de Pastoral | Grupo de reflexão bíblico-litúrgica – Diocese de São Carlos)
A Liturgia deste domingo apresenta a cena do chamado dos primeiros discípulos, episódio repleto de simbolismo e notoriamente ordenado em direção à missão de Nosso Senhor. A narrativa de Lucas diferencia-se dos relatos paralelos dois outros sinóticos, Mateus e Marcos, ao detalhar uma pesca milagrosa, evidenciando o encontro transformador entre São Pedro e o Senhor.
Jesus, ao ensinar às margens do lago de Genesaré, percebe duas barcas vazias: está aí o sinal do cansaço e do fracasso humano. O pedido para afastar a barca um pouco da margem indica a necessidade de distanciamento das seguranças mundanas para melhor ouvir a Palavra. A multidão, ávida pelo ensinamento do Mestre, antecipa a missão apostólica: levar a Boa-Nova a todos os povos. O gesto de avançar para águas mais profundas e lançar as redes manifesta um convite ao abandono à Divina Vontade. O milagre que se segue não apenas revela o poder do Senhor, mas ensina que o verdadeiro fruto do trabalho missionário depende da obediência total e incondicional à sua Palavra.
O reconhecimento de Simão Pedro – “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador!” – demonstra a consciência da própria indignidade diante da santidade divina. Esse temor reverente não é rejeição, mas expressão da conversão interior necessária para seguir ao Senhor Jesus Cristo. A resposta do Mestre, ao contrário de afastá-lo, confirma-o na missão: “Não tenhas medo! De hoje em diante serás pescador de homens.” O chamado do discípulo nasce da experiência do encontro com o Senhor, que transforma a vida e dá novo sentido à existência.
Hoje, os apóstolos, e depois os evangelistas, bispos e pastores, são continuadores da missão iniciada por Cristo. O sinal de Pedro aos companheiros, pedindo ajuda para recolher a abundante pesca, simboliza a necessidade de colaboração na obra da evangelização. Nenhum discípulo age sozinho; a missão é sempre eclesial, sustentada pelo ensino da única e eterna Verdade.
Essa passagem desafia a Igreja a renovar sua confiança na Palavra de Cristo. Muitas vezes, a experiência do fracasso pode levar ao desânimo, como ocorreu com os pescadores da narrativa, que passaram a noite sem nada colher. No entanto, é justamente nesse momento de fragilidade que o Senhor se faz presente. O sucesso da pastoral da Igreja não está na mera habilidade humana, mas na obediência ao chamado de Deus e na vivência da Vontade Divina. Cabe aos evangelizadores lançar as redes da fé, confiando que a Divina Graça operará os frutos.
Assim, se aponta à necessidade da escuta atenta e da confiança na ação divina. O Senhor conduz a um caminho de fé que exige desprendimento e coragem para avançar para águas mais profundas. A conversão de Pedro ilustra a transformação que se dá no coração daquele que se encontra verdadeiramente com Cristo. O medo é dissipado pela Palavra do Senhor, que capacita e envia. Cada discípulo é chamado a reconhecer sua pequenez e, ao mesmo tempo, confiar no poder de Deus que age na fraqueza humana.
Conquanto, aí está a centralidade do chamado pessoal e eclesial: o encontro com Cristo não deixa ninguém indiferente. O convite a segui-lo implica abandonar seguranças e projetos próprios para acolher uma missão maior. A barca, símbolo da Igreja, carrega aqueles que, confiando na Palavra de Jesus, tornam-se pescadores de homens. Esse chamado é dirigido a todos: bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos: todos! Todos são convocados a anunciar o Reino, testemunhando a transformação que Cristo opera na vida daqueles que o seguem.
A cena final, na qual os discípulos deixam tudo e seguem o Senhor, ensina que a resposta ao chamado deve ser radical. Não se trata apenas de uma mudança de profissão, mas de uma nova identidade. O verdadeiro discípulo não se apega ao passado, mas se lança confiante na missão. A história da Igreja testemunha essa entrega, desde os apóstolos até os evangelizadores de hoje, que continuam a lançar as redes no vasto mar do mundo.
Este evangelho convida a um olhar renovado sobre a missão cristã. Não se evangeliza apenas com estratégias humanas, mas com a força da Palavra de Deus. Avançar para águas mais profundas significa confiar plenamente no Senhor, mesmo quando o cansaço e a esterilidade parecem dominar. A promessa de Jesus continua atual: aqueles que lançam as redes em seu Nome jamais trabalharão em vão. Que a força do Espírito Santo conduza cada discípulo a uma entrega sempre mais plena e generosa à missão do Reino. Amém.