A dignidade do trabalho humano à luz de São José Operário
Por Padre Regivânio Martins da Silva – Paróquia Santo Expedito, Araraquara
O dia 1º de maio é marcado pela celebração de São José Operário, que nesta segunda data que a Igreja o celebra, traz, por sua vez, um olhar direcionado enaltecendo sua virtude como homem do labor, isto é, do trabalho. É sob o prisma do patrono da Igreja, seu exemplo de homem justo e trabalhador, que é possível enxergar o trabalho também como fonte de dignidade para o ser humano.
Essa dignidade, por vezes, é negada e vilipendiada quando o trabalho, ora apresentado como fonte dignificante, é usado como fonte de opressão e exploração na medida em que nos ambientes de trabalho o trabalhador é obrigado a exercer as funções no limite de suas forças, em alguns casos sem a devida proteção física que é quando há a ausência de equipamentos de segurança no ambiente trabalhista; sem a proteção moral que é quando o empregador força o trabalhador a ir contra seus princípios morais ou quando o mesmo sofre assédio no ambiente que deveria lhe enaltecer enquanto pessoa humana.
A Igreja em seu constante peregrinar, busca não trair sua missão de defender o ser humano em todas as suas dimensões, com destaque para a dimensão física, moral e transcendental; por isso ela se preocupa com todas as pessoas, homens e mulheres, cristãos ou não, e tudo quanto lhes diz respeito é do seu interesse porque somente ela é “perita em humanidade” (DS-ONU 1965) e é também o “sacramento universal de salvação” (LG 48).
Portanto, é seu dever oferecer balizas norteadoras que sirvam de bússola para o agir humano, em especial aos governantes e aos patrões; pois aos governantes compete a realização de um bom governo que gere o desenvolvimento às Nações; enquanto que aos patrões compete oferecerem condições dignas no ambiente de trabalho para que assim sob essa realidade evite-se que haja algum trabalhador injustiçado, excluído e/ou lesado em sua dignidade. Pois quando a injustiça habita no meio trabalhista se configura a triste verdade de que “o mundo está doente” (PP 66).
Na Sagrada Escritura encontramos em São José o modelo do trabalhador dedicado em seu ofício, no tempo do pai nutrício de Jesus, ter uma profissão era sinônimo de ter uma vida digna; isso não quer dizer que a Sagrada Família era rica, mas implica dizer que o fato de São José ter uma profissão, a qual exercia com maestria na carpintaria de Nazaré, o levava a extrair do seu trabalho o sustento para sua família.
É interessante notar que pelo o trabalho, São José alimentava Jesus e sua mãe, Maria Santíssima; enquanto que Jesus menino, o próprio Filho de Deus, era nutrido pelo fruto do trabalho humano. Nessa dinâmica o trabalho humano ia tornando-se digno e dignificador porque dele alimentou-se até o Autor da vida.
Todavia, ao longo da história o trabalho foi usado para oprimir aqueles que pouco ou nada tinham, diante de realidades desse tipo, estabelecia-se a lei do mais forte sobre o mais fraco. Isso vigorou por séculos a fio; no entanto, a Igreja nunca foi indiferente ao sofrimento dos mais pobres e dos trabalhadores injustiçados. No período apostólico “os cristãos partilhavam seus bens, colocando-os em comum” (At 4, 32.35b), também faziam coletas (1Cor 16,1-3) como é o caso levantado por São Paulo que pede que se faça e destine uma coleta aos irmãos de Jerusalém. Nessa ação vislumbramos o papel da Igreja em se prontificar para ajudar aqueles que se viam em grandes privações.
O apóstolo dos gentios é categórico ao exortar os senhores que hoje são os empregadores, dizendo: “tratai vossos servos (empregados) com justiça e igualdade, sabeis perfeitamente que também vós tendes um Senhor no céu” (Col 4,1). A mensagem paulina vai dar coro para os Pais da Igreja durante toda a Patrística, embora eles não abordem o conceito de Justiça Social farão muito uso dos conceitos de justiça e equidade em seus discursos catequéticos e doutrinários, onde nota-se claramente que eles mantiveram viva a essência daquilo que mais tarde viria a transformar-se no magistério social, a partir da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, de 1891.
Quando a Revolução Industrial surge e se expande no século XVIII, após a invenção da máquina a vapor, o mundo do trabalho passa por uma profunda transformação, surge o trabalho nas fábricas, era preciso se reajustar àquela nova realidade e assim acontece. Entretanto, a exploração dos trabalhadores se torna mais aguda, é aí que a Igreja vai responder com voz profética apresentando ao mundo o Magistério Social que, após o primeiro documento no final do século XIX, ganhará corpo durante todo o século XX, passando a ser conhecido a partir da segunda metade do século citado, como Doutrina Social da Igreja. Desde a Rerum Novarum até hoje já se somam mais de vinte documentos oficiais, sem contar os diversos discursos dos Papas que abordam o tema, desde Leão XIII ao Papa Francisco.
Frente a isso, observa-se que quando a Igreja sai em defesa dos homens e mulheres que sofrem injustiças quer seja no ambiente de trabalho, quer seja quando a injustiça bate a porta por falta de oportunidade no mercado; ela está bradando ao mundo que se importa com os pobres e injustiçados.
Também age denunciando os erros, apontando as falhas do sistema e propondo saídas justas e humanas. É aí que a Igreja levanta a bandeira da solidariedade, apresenta referências bíblicas como no caso das primeiras comunidades cristãs; ensina a todos a olhar para a figura do homem mais notável, enquanto homem trabalhador – que é São José. E quando criticada sobre o porquê abordar temas sociais, ela é categórica ao dizer que “…, calarmo-nos seria, aos olhos de todos, trair o nosso dever” (RN 10).
Desse modo, em São José os cristãos, como também todos os homens de boa vontade encontram inspiração para através do trabalho buscarem viver uma vida digna, dedicando-se na construção de um mundo melhor. Enquanto que na Doutrina Social da Igreja eles podem encontrar as diretrizes para que um mundo melhor seja verdadeiramente possível, porque “para a Igreja, a mensagem social do Evangelho não deve ser considerada uma teoria, mas sobretudo, um fundamento e uma motivação para a ação” (CA 57).
Que São José inspire sempre mais e interceda por todos os trabalhadores e trabalhadoras, filhos e filhas de Deus que no exercício do seu ofício, fogem do ócio, vencem o pecado da preguiça, transforma o mundo com seu trabalho e cumprem à risca o princípio paulino que diz “quem não trabalha não deve comer” (2Tes 3,10).
Abreviaturas:
RN – Rerum Novarum
LG – Lumem Gentium
PP – Populorum Progressio
CA – Centésimus Annus
DS-ONU – Discurso do Sumo Pontífice, o Papa Paulo VI, na Sede da Organização das Nações Unidas, em 1965.