Cardeal Odilo Scherer: Os Jovens foram à Cracóvia
Por Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Vocês querem viver a vida só pela metade, sim ou não? – perguntou o Papa Francisco à multidão de mais de 2 milhões de jovens reunidos no “Campus Misericordiae” (Campo da Misericórdia”, em Cracóvia. E do vasto prado verde, vibrante de entusiasmo juvenil, chegou o brado em uníssono: não!
Querem se aposentar já aos 20 anos? Vão jogar a toalha ainda no início da luta? – retomou Francisco, desafiando os jovens. Mais uma vez, ressoou um brado pelo céu de Cracóvia: não! – Digam bem alto, para que o mundo inteiro escute: não, foi a resposta mais uma vez, acompanhada de um longo aplauso.
Cracóvia viveu dias memoráveis durante a 31ª Jornada Mundial da Juventude, de 24 a 30 de julho passado: jovens de todas as línguas, trajes e penteados, de todas as bandeiras, com cantos, sorrisos e alegria boa encheram suas ruas e praças. Igrejas, ônibus e bondes lotados, espetáculos organizados e espontâneos em mais de 30 línguas. Ao todo, estavam presentes 168 países; depois das cores da Polônia e da Itália, o verde-amarelo do Brasil foi a 3ª cor mais vista.
Cracóvia vibrou de vida e de alegria juvenil e não era para menos: a Jornada, de alguma forma, havia voltado às suas origens, pois foi o polonês e arcebispo de Cracóvia, Papa São João Paulo II, que tomou a feliz decisão de iniciar as Jornadas Mundiais da Juventude; ele amou os jovens e foi por eles também muito amado. Após a sua morte, a cidade lhe dedicou um belo santuário no mesmo lugar onde ele, enquanto jovem, trabalhava duro numa pedreira para ganhar a vida. O santuário foi um dos lugares mais visitados pelos jovens, ao lado daquele da Divina Misericórdia, de santa Faustina Kowalska.
“Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia” (Mt. 5,7). Esta promessa de Jesus foi o tema e fio condutor das reflexões e iniciativas vividas pelos jovens durante a Jornada. O mundo carece de misericórdia. Precisa de justiça, antes de tudo; e de respeito pela dignidade e o direito das pessoas. Mas precisa muito do bálsamo da misericórdia, para a superação da miséria e da dor, da violência e do ódio, para alcançar verdadeira paz.
A misericórdia é uma capacidade divina, lembrava o Papa aos jovens; ela faz farte da essência de Deus e do seu agir para com os homens. Ele é justo, mas também é misericordioso. Pensar Deus diversamente não está em conformidade com o ensinamento de Cristo. Mas o coração humano também pode ser misericordioso, abrir-se ao próximo, ser sensível e solidário com ele nos seus sofrimentos e angústias. Não se pode dispensar a justiça mas, por si só, esta não basta e precisa ser acompanhada da misericórdia, que socorre, restaura e faz viver a vítima da injustiça e o próprio autor dela. Justiça sem misericórdia poderia ser uma vingança e tenderia a aprofundar ressentimentos e ódios. E os jovens ouviam, atentos.
Muitos jovens tiveram a oportunidade de visitar os campos de concentração e extermínio de Auschwitz e Birkenau, ali perto, que conservam a memória trágica de um regime desumano e sem misericórdia. Uma geração nova, com a cultura marcada pela misericórdia, poderá ajudar o mundo a se recuperar das feridas de suas guerras, discriminações e ódios; a afirmação exacerbada dos próprios direitos, muitas vezes mais supostos que reais, leva a passar por cima do direito dos outros. Jovens animados pela misericórdia ajudarão a promover o diálogo, a solidariedade, o respeito ao próximo; contribuirão para uma nova cultura da paz e fraternidade.
Aquilo que se viu em Cracóvia foi a imagem bonita e esperançosa da humanidade, convivendo em paz. Com tantos hóspedes, vindos de países tão diversos – alguns em guerra contra outros, não se viu no evento um único fato de intolerância ou violência. Nenhum incidente, que empenhasse as autoridades policiais. E todos estavam felizes em manifestar sua nacionalidade e cultura; as diferenças não precisam dividir, mas podem somar e enriquecer reciprocamente. Não era alegria forçada, não houve álcool nem droga… Os jovens mostraram que o mundo, cansado de seus fardos de ódio e violência, pode renovar-se mediante um espírito novo, com novas formas de pensar, agir e interagir.
A Jornada foi uma grande peregrinação, passando por vários encontros e visitas a santuários, até chegar ao “Campus Misericordiae”, lugar da grande celebração final. E durante todos os dias do encontro caminharam muito, com vontade de estar lá, de não perder o encontro e não errar o caminho, sem desânimo, sem reparar no cansaço… Foi uma parábola eloquente do que é a própria vida humana: busca perseverante, até alcançar a meta. Mas existe uma meta? Sim, o grande objetivo da vida é o encontro com Deus e alcançar a felicidade; este mundo já nos pode oferecer momentos felizes, mas o coração humano é feito para mais, ele sonha com o infinito.
O Papa encorajava os jovens a não desanimarem, a não se deixarem seduzir pelas ilusões da felicidade fácil e sem esforço; a não gastarem a vida com alienações, como a droga, os vícios e o consumismo, que desfibram as energias da alma. “Não deixem que lhes roubem a esperança”, havia dito à multidão de jovens em Copacabana, há três anos. E repetiu aos jovens na Polônia: não deixem que lhes tirem a alegria de viver! Vocês valem muito. Valorizem sua vida!
Na celebração final, da qual participaram cerca de 2,5 milhões de jovens de todo o mundo, Francisco anunciou a próxima Jornada: será na cidade do Panamá, em 2019. O próprio presidente daquele, ao lado do cardeal e dos bispos daquele país, foi acolher o anúncio do Papa: investir nos jovens, tem grande importância para o futuro das nações e também da Igreja. E os jovens puseram-se a caminho, mais uma vez, para retornarem a seus países; cansados talvez, mas felizes e com a alma carregada de energias boas!
Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, ed.de 14/8/2016