Diocese São Carlos ago 11, 2016

Homilia da Missa de Posse Canônica de Dom Paulo Cezar

Homilia da Missa de Posse Canônica de Dom Paulo Cezar

  Homilia feita por Dom Paulo Cezar Costa, por ocasião de sua Posse Canônica em 06 de agosto 2016, na Catedral de São Carlos Borromeu.       

homiliaHoje inicio meu ministério na Diocese de São Carlos, como seu sétimo bispo. Entro numa Igreja que possui uma grande história, uma grande tradição. Uma Diocese centenária. Sou um elo neste belo e envolvente caminho da Fé. Recebo uma grande riqueza que o Senhor construiu, através da doação generosa de bispos, padres, religiosos (as), diáconos e leigos e leigas. Os sinais da obra que o Senhor realizou se fazem visíveis através da vivacidade desta Igreja particular que recebo, como seu sétimo bispo; através dos traços da fé que impregnaram a cultura desta terra, os tantos monumentos que testemunham a fé deste nosso amado povo, o numeroso clero desta Diocese, os numerosos bispos e arcebispos que dela saíram, os religiosos (as), o laicato vivo que doa a vida através das pastorais, movimentos, associações, novas comunidades, etc. e tantos outros. Relembro os meus predecessores neste caminho: Dom José Marcondes; Dom Gastão Liberal; Dom Rui Serra; Dom Constantino Amstalden; Dom Joviano de Lima e Dom Paulo Sérgio que doou a vida na condução desta Igreja nestes últimos anos.

Meus caros amigos, o que de mais importante trago na minha bagagem para vos oferecer e compartilhar a cada momento é o Mistério de Cristo, que é o centro da minha vida. Não sei viver sem Cristo. Repito com Paulo VI: Tu nos és necessário, Tu nos és necessário.Sem Ti não podemos e não sabemos viver.

A palavra de Deus que ouvimos, na primeira leitura nos apresentou uma imagem bonita do trono de Deus, e de Deus mesmo, pois aquele ancião representa o próprio Deus. Imagem que nos consola, que nos faz perceber que Deus é o Senhor da história, que ele acompanha os fatos e acontecimentos da vida do dia a dia.

A imagem do Filho do homem se cumpre no Evangelho que nos apresenta a centralidade de Cristo. Na montanha com Pedro, Tiago e João contemplamos a beleza do Senhor. Entramos no mistério da sua pessoa, da sua divindade velada em sua humanidade. Contemplamos uma beleza que Salva, dá sentido à nossa vida pessoal e ao nosso caminho de Igreja.

Primeiro o Evangelista São Lucas situa bem a cena que ouvimos, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e sobe à montanha para orar. Lucas nos apresenta Jesus rezando, São Lucas quer dizer que este é um momento importante do ministério de Jesus.  “Enquanto orava, o aspecto do seu rosto se alterou, suas vestes tornaram-se de fulgurante brancura”. O rosto de Jesus se torna bonito, radioso. É a beleza de Jesus que contemplamos. São João Paulo II, na Novo Millenium Ineunte pergunta: “Não é por ventura, papel da Igreja refletir a luz de Cristo em cada época da história, fazer resplandecer o seu rosto diante das novas gerações do novo milênio?” Sim, “refletir a luz de Cristo” é o grande papel da Igreja. A cena que contemplamos apresenta um rosto radiante, bonito de Cristo. Cabe aqui a pergunta: Que face de Cristo estamos apresentando? São João Paulo II diz que “o nosso testemunho será pobre se não formos antes, contempladores do rosto de Cristo”. Sermos contempladores do rosto de Cristo, aqui está o segredo para o nosso caminho de Igreja, para o nosso caminho pessoal.  Contemplando a beleza de Cristo, encontramos Nele o verdadeiro sentido da vida humana. Em Cristo, o homem encontra o que é ser homem. Nele, o ser humano encontra o seu caminho, pois o mistério de Cristo revela ao homem o que é ser homem, pois Cristo é o homem segundo o projeto de Deus. A um homem que corre o risco de perder o sentido do que é ser homem, pois vai perdendo a sua origem e o seu destino, a Igreja lhe apresenta Cristo, ele é o sentido do homem. Somente Nele, encontramos a nossa verdadeira vocação. Daqui emerge uma Igreja que tem os olhos fixos em Cristo. Que não se perde diante dos caminhos da história, pois é contempladora de Cristo, Está fixa Nele, Ele é o centro.

Um segundo aspecto é a transformação da Veste de Jesus que se tornaram de fulgurante brancura.  A veste de Jesus é a Igreja, veste de um tecido só, como se lê em Jo 19, 23. Diz São Cipriano falando da Igreja:“Este sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviolada e sem rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como lemos no Evangelho, ela não foi dividida, nem, de modo algum, rasgada, mas sorteada”. Os apóstolos contemplam esta veste bonita, resplandecente. É a Igreja na sua santidade, que será mais radiante ou não de acordo com o nosso testemunho, com a nossa doação. Pois na Igreja existe esta bipolaridade: De um lado a santidade, ela é santa, ela trás em si todos os meios de salvação, é sacramento de salvação, mas ela se realiza na história, numa história concreta marcada pelo pecado, numa comunidade real. Ela se realiza concretamente em cada tempo, em cada realidade. Nós a edificamos. Quanto mais nos tornamos contempladores de Cristo, mais radiosa, bonita a Igreja se torna. Nosso caminho de Igreja deverá ser aquele de revelar a beleza da túnica de Cristo: Uma Igreja próxima do povo, que antes de grandes discursos, testemunhe aquilo que diz; um Igreja onde todos, cada um na sua especificidades, se doe com alegria. Um Igreja que celebre bem, viva bem a sua fé e pratique bem a caridade, pois como diz o papa emérito Bento XVI: “A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia),  são deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros”. Uma Igreja que pela sua caridade manifeste a sua fidelidade ao seu Senhor, pois a nossa fidelidade ao Senhor é medida pela nossa caridade, pela nossa capacidade de amar. Uma caridade operosa que vai ao encontro dos pobres, das periferias existenciais, se encontra lá onde as pessoas precisam sentir concretamente o amor de Cristo que toca sua carne, sua concretude histórica, existencial, etc. Pois como diz Bento XVI, “a caridade pertence à natureza da Igreja, é expressão irrenunciável da sua essência”. Uma Igreja Missionária, em saída, como nos pede papa Francisco, onde todos: bispo, padres, diáconos, religiosos (as), seminaristas, leigos e leigas são comprometidos com o anúncio e testemunho de Jesus Cristo. Uma Igreja da acolhida, que entre sim e não, contemple rostos individuados e realidades concretas que clamam por acolhimento, como fazia Jesus que acolhe desde o oficial romano que clama pela cura do seu servo, a samaritana, leprosos, a mulher adultera que a Lei mandava apedrejar. Sim, uma Igreja que acolhe a cada um onde se encontra e é capaz de lhe propor um caminho. Uma Igreja que dialoga. Como é importante o diálogo no caminho da Igreja e da sociedade hoje. É através do diálogo que a sociedade cresce, e se encaminham soluções dos grandes problemas. “O caminho e futuro da nossa sociedade se encontra no diálogo”. O diálogo exige respeito, a valorização do outro, uma visão alta do outro, das instituições. Dialogar significa ter a disposição de encontrar a todos, crentes e não crentes, os diferentes ambientes e mundos desta nossa região com o pressuposto de que onde existem pessoas pensantes, ali há as condições para o diálogo. Deus já iniciou, também naqueles que O buscam com o coração sincero, a sua obra. O diálogo de Jesus com“a samaritana mostra esta sede de Deus, que há no coração humano, uma sede, que às vezes inconsciente, mas que é fruto da ação escondida do Espírito de Deus nos corações”.  Devemos passar do rosto transfigurado de Cristo ao rosto da Igreja e nos empenharmos na construção de um rosto bonito para a Igreja. A santidade da Igreja nos compromete, compromete a cada um de nós. A beleza ou feiúra do rosto da Igreja está traçado no rosto de cada um de nós. Nós somos a Igreja hoje. O rosto resplandecente da Igreja na história depende da doação alegre, generosa e bonita de cada um de nós.

Moisés e Elias conversam com Jesus. Moisés e Elias significam a Lei e os Profetas. Significa o Antigo Testamento que se cumpre em Jesus. Jesus é o centro das Escrituras.  Jesus só pode ser entendido no contexto das Escrituras. São Lucas narra sobre o que conversavam: “falavam da sua partida que iria se consumar em Jerusalém”, isto é, falavam da morte de Jesus que se daria em Jerusalém. A morte é descrita com a palavra exodos, termo único no Novo Testamento. Jesus é apresentado como o novo Moisés que através do mar da morte, leva o novo Israel, ao reino dos céus, para a glória do Pai. O seu êxodo se realiza através da cruz. A cruz é central no cristianismo. Aqui nos encontramos no centro do amor misericordioso de Deus, que a Igreja é chamada a expressar. “A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo”. Caminhei da residência Episcopal até a catedral com a cruz nas mãos. A cruz rememora a nossa redenção. São Carlos Borromeu, nos tempos de peste em Milão, caminhava com uma cruz nas mãos para que todos pudessem ver a cruz e encontrar na cruz de Cristo o significado para o seu sofrimento. Assim ele é lembrado pelo povo milanês. Não há cristianismo sem cruz, não há segmento de Jesus sem cruz. A cruz permanece o grande sinal da nossa redenção. É em Cristo morto e ressuscitado que está o sentido da vida humana. Nele, o homem encontra o seu caminho, o nosso caminho é segui-lo.

Da nuvem, o Pai nos revela quem é Jesus. Jesus é o seu Filho amado, ouvi-O. O Pai nos convida a ouvirmos o seu Filho. Ouvir Jesus, como ouvi-lo hoje? Ele nos fala hoje, através da sua Palavra proclamada em cada celebração; na oração; no irmão. O Senhor continua a nos falar hoje. É preciso nos colocarmos na sua escuta. É ouvindo-o que se forma o coração do discípulo-missionário. O Senhor nos continua a falar através das Escrituras. São Jerônimo dizia: “Ignorar as Escrituras é ignorar o próprio Cristo”. A Escritura forma o coração do discípulo-missionário. Esta cena nos remete à centralidade das Escrituras na vida da Igreja e na vida de cada católico. Ouvir o Filho amado do Pai significa colocar a Escritura no centro, implica iluminar e dar aos acontecimentos e à história um significado mais profundo, significa colocar os fatos e acontecimentos de salvação, que num primeiro momento o sentido não é evidente, num contexto geral de história de salvação que faz aparecer claramente o seu sentido. A Escritura apresenta-nos o designo de Deus sobre o homem e sobre a história.  Ouvir o Filho amado do Pai significa o progressivo desenvolver-se no homem, desta clareza de Deus, da vida, da justiça, da verdade, da fraternidade; permite enquadrar a totalidade daquilo que o homem pensa e deseja, no plano do Espírito e da Verdade, e dar um significado. É papel central da Igreja colocar esta riqueza da Palavra nas mãos dos seus filhos e filhas. Isto se faz através da leitura das Escrituras, da leitura orante da Bíblia, círculos bíblicos, Escolas bíblicas, etc.

Hoje, subimos a montanha na companhia de Pedro, Tiago e João e contemplamos a cena da transfiguração, a montanha para nós é esta catedral de São Carlos Borromeu, esta praça. Tomamos consciência de que esta gloria da transfiguração resplandece também em nós, seus filhos adotivos. Daí a pouco, voltaremos para nossas Dioceses, paróquias, casas com o coração alegre, pois contemplamos esta belíssima cena da transfiguração, beleza que nos Salva. Que esta experiência nos ajude no nosso testemunho de católicos, de discípulos -missionários, que ela ilumine nosso caminho de Igreja e o nosso anúncio do mistério de Cristo.

Crédito das Fotos: Walter Caparrós Blanco

 

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