O Batismo do Senhor
(Grupo de reflexão bíblico-litúrgico – Diocese de São Carlos)
O Batismo de Jesus, festa que a Liturgia hoje celebra, é narrado no Evangelho de São Lucas ocupando lugar essencial na História da Salvação. No plano central, temos Jesus imerso no Jordão. Nele, o Pai revela à humanidade a missão do seu Filho unigênito como Servo e Salvador. Ele que, assumindo a nossa humanidade (conforme celebramos neste tempo de Natal) dignifica os pecadores, ainda que Ele mesmo não tivesse pecado.
O episódio do batismo está inserido em um contexto de esperança messiânica, e o povo, “cheio de expectativa”, interroga se João Batista seria o Cristo. João, porém, esclarece que sua missão é preparatória e subordinada àquele que “batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Este contraste exalta a natureza divina de Jesus, João batiza com água, um gesto simbólico de conversão. Entretanto, Jesus introduz novo tempo, no qual o Espírito Santo renova e transforma radicalmente a existência humana a partir dele mesmo.
No clímax da cena, após o batismo, Jesus está em oração. Os céus se abrem, o Espírito Santo desce em forma simbólica e uma voz proclama: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer”. Essa manifestação do Pai torna o batismo de Jesus uma revelação pública da Santíssima Trindade, o Pai fala, o Filho, Palavra encarnada, é ungido, e o Espírito é enviado. E confirma Jesus como o Messias e superior a João Batista, como o Filho Unigênito enviado para inaugurar a nova criação. Portanto, com Ele entre nós: “Abriu-se o céu, como se até então estivesse fechado”.
O céu aberto simboliza o rompimento da barreira entre Deus e a humanidade, e consequentemente, o restabelecimento da comunhão entre o Criador e a criatura. Desta maneira, promove-se a unificação entre o redil celeste e o terreno sob o pastoreio do Cristo, o Bom Pastor, e o homem terreno é elevado à dignidade de filho adotivo, juntando-se aos anjos no louvor eterno.
Hoje, o Batismo do Senhor convida à renovação da identidade batismal. Por meio do batismo, cada cristão é chamado a viver como filho de Deus, inserido na comunidade eclesial e vivendo a missionariedade, intrínseca à sua existência. É mister voltar a reconhecer o Batismo como fonte de vida nova e compromisso eclesial e missionário, voltar-se às promessas um dia feitas ao receber o batismo, renovadas a cada Páscoa. A celebração do Batismo do Senhor é um momento oportuno para recordar essas promessas, e aprofundamento da consciência da vocação à santidade ou vida no Espírito.
Esta liturgia, ainda, é um convite à oração. Jesus, ao ser batizado, está em diálogo íntimo com o Pai. É na oração que a voz divina se faz ouvir e o Espírito Santo se manifesta. Assim, somos chamados a cultivar uma vida de oração que nos configure a Cristo. A oração é o espaço privilegiado para discernir a Divina Vontade, acolher o Espírito e experimentar a filiação divina. A abertura dos céus não é um evento distante, mas uma realidade acessível pela graça sacramental.
Eis o anúncio esperançoso de que, por Nosso Senhor Jesus Cristo, o céu está aberto a todos. Deus, no seu amor incondicional, quis adotar a humanidade, e tornar cada ser humano filho no seu Filho unigênito. No Jordão, o Senhor desce ao nível humano para elevar o homem à comunhão divina. Assim, o fiel é chamado a proclamar este amor e a viver como testemunha do Reino inaugurado por Cristo.
Renovemos a certeza de que a graça de Deus nos alcançou e nos fez novas criaturas. A recordação das promessas batismais é um convite à conversão constante, à vivência da fé com autenticidade e ao compromisso com a missão. A Igreja, como redil unido sob um único Pastor, é enviada ao mundo para testemunhar que o céu está aberto, que Deus nos chama à comunhão e que a filiação divina é uma realidade transformadora. Que cada coração se reanime na certeza de que, pelo Batismo, o céu se abriu para nós.