A urgência climática e o dia de São Francisco
As mudanças climáticas já se constituem em realidade inegável, assim como a sua causa “antrópica”. No Brasil, cada vez mais elas se manifestam em eventos como as cheias no Sul, rios esvaziados na Amazônia, secas prolongadas e epidemia de incêndios. O cenário pode ser completado em âmbito planetário com o derretimento das geleiras e o avanço do mar, com a desertificação do solo, escassez de água e perda da biodiversidade.
Diante desse quadro é oportuno ecoar no dia de São Francisco, um alerta do atual Papa: “Não estamos reagindo de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe está desmoronando” (cf. Papa Francisco. Laudate Deum, n. 2). E as alterações climáticas se constituem em um dos principais desafios que a sociedade e a comunidade global têm de enfrentar (cf. LD. n. 3).
Nesse contexto, o dia de São Francisco, padroeiro dos que estudam ou trabalham no campo da ecologia, vem trazer alento e iluminação. Dele emana um paradigma de vida em harmonia com a natureza, de contemplação da criação e preocupação com os pobres e abandonados (Papa Francisco. Laudato Si. n. 10). De grande capacidade contemplativa, via na criação a mensagem clara do amor de Deus em cada criatura, em cada despontar do sol e em cada cair da noite (cf. LS, n. 85).
Aceitar um Pai comum para todas as criaturas, aponta para laços invisíveis de uma grande “família universal” (cf. LS. n. 89), e reforça a responsabilidade a quem coube a tarefa de “cultivar e guardar” o jardim do mundo (cf. Gn 2,15). Com essa compreensão, a desertificação do solo deveria ser ressentida como uma doença em cada um, a extinção de uma espécie, lamentada como uma mutilação (cf. LS. n. 89).
Até um período recente, o ser humano intervinha dentro dos limites daquilo que a natureza poderia oferecer, como algumas culturas tradicionais ainda o fazem (cf. LS. n. 106). A tecnociência mudou essa relação, dando vazão ao ser humano na sua versão autônoma e onipotente, e à sua ânsia de extrai o máximo possível dos bens do planeta, como se fossem infinitos e sua recuperação ocorresse de imediato. Além do mais, a tecnociência não coopera como poderia com o desenvolvimento humano integral ou com a inclusão social (cf. LS. n. 108 e 109).
É premente pensar a problemática ecológica integrando as dimensões humanas e sociais, denominada “Ecologia Integral” pelo Papa Francisco (cf. LS. n. 137), considerando que a amplitude das mudanças do clima no planeta demanda soluções globais. É fato que as soluções mais eficazes passam por grandes decisões da política nacional e internacional.
Mesmo diante de tamanha problemática, as nações e os detentores do poder econômico não têm demonstrado esforços para implantar os acordos ratificados nas convenções do clima, diferentemente do ocorrido com o tratado internacional para a questão da camada de ozônio (cf. LD. n. 55). Diante dessa dificuldade, é oportuno relembrar que o Papa Bento dizia que o cuidado do planeta depende em grande parte da consistência moral da sociedade em geral (cf. BENTO XVI. Caritas in Veritate, n. 48).
É preciso a lucidez para perceber que o cuidado da Casa Comum, no atual momento, exige esforço de todos para tentar evitar mudanças ainda mais drásticas no clima. Mudanças pessoais e culturais para modos de vida que poluam e consumam menos, sem esbanjar, é imprescindível.
Um movimento dessa ordem pode pressionar setores econômicos e políticos a assumirem maiores responsabilidades pela sustentabilidade e preservação das condições de vida na Casa Comum. Eis uma urgente responsabilidade que paira sobre a geração atual, em vista das posteriores e da missão de cuidar e guardar o jardim do mundo (Gn 2,15). São Francisco, rogai por nós!
Dom Luiz Carlos Dias
Bispo Diocesano de São Carlos
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