Em defesa da vida plena para todos e contra as armas da morte
Comissão Justiça e Paz do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Vivemos um momento histórico no Brasil em que a vida é destruída e ameaçada por diversas armas da morte: o crescimento da fome, da miséria, da desigualdade e da população em situação de rua; a desconstrução da democracia e do Estado Democrático de Direito, e de suas políticas sociais, especialmente de saúde e educação; a proliferação do discurso de ódio, da incitação à violência e de notícias falsas; o desmatamento, a poluição e outras formas de degradação ambiental; o racismo, a homofobia, o feminicídio e a misoginia; o encarceramento em massa e as condições de vida degradantes do sistema prisional; a violência e a opressão perpetradas pelo crime organizado, pelas milícias e por parte das forças de segurança do Estado contra os povos originários, as lideranças de movimentos sociais e por motivações políticas, contra os pobres que vivem no campo e nas periferias das cidades.
Em meio a essa grande tragédia, preocupa-nos, de forma especial, o avanço da política e da cultura armamentista e, consequentemente, da quantidade de armas de fogo em posse da população brasileira. Tivemos 204,3 mil novos registros em 2021, número 300% maior do que o de 2018[1]. Com isso, entre 2019 e 2021, o número de armas registradas atingiu o montante de 2,3 milhões, o qual é 78% superior ao de 2018[2].A política armamentista representa, em primeiro lugar, a confissão da incompetência do Estado para garantir o direito humano à segurança pública, além de ser desprovida de qualquer base científica – muito pelo contrário, diversos estudos demonstram como o “Estatuto do Desarmamento” contribui para a redução do número de homicídios no Brasil[3]. Mais armas à disposição da população constituem também maior ameaça a vida de mulheres, lideranças de movimentos sociais, dos grupos historicamente mais excluídos e vulneráveis, bem como à própria democracia, enquanto parte da estratégia golpista.
Nós, cristãos, devemos pautar nosso agir pelo exemplo de Jesus Cristo, que proclamou “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Cabe-nos, pois, em nossa vida cotidiana e em todos os espaços que ocupamos, darmos testemunho e exercermos o profetismo em defesa da vida plena. Apoiar as armas da morte ou se omitir diante de seu avanço na sociedade brasileira é absolutamente incompatível com a vida cristã. O povo brasileiro precisa de comida, terra, teto e trabalho, não de fuzis.
O Papa Francisco, por sua vez, manifesta que deseja “ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. (…) Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (Carta Encíclica Fratelli Tutti, N. 8). Só poderemos viver como irmãos, em fraternidade, se combatermos as armas da morte, se for assegurada a vida plena para todos e se for fomentada a cultura da paz e da tolerância.
Diante disso, a Comissão Justiça e Paz do Regional Sul 1 da CNBB, com sua vocação ecumênica, neste ano decisivo da história brasileira, conclama:
(1) todos os candidatos a Governador, Senador e Deputado Federal e Estadual pelo Estado de São Paulo a assumirem um compromisso com a defesa da vida plena para todos e, em especial, de desenvolverem políticas públicas e projetos de Lei para superação da violência e promoção da cultura de paz e do desarmamento;
(2) todos os cristãos e pessoas de boa vontade a refletirem profundamente sobre o momento em que vivemos, à luz dos Evangelhos, a se organizarem e exercerem seu profetismo em defesa da vida e contra as armas da morte.
São Paulo, 07 de junho de 2022.