A mensagem do Papa Francisco para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais é provocante. Só é capaz de comunicar verdadeiramente quem é capaz de conjugar o verbo escutar. Esta pode ser uma chave de leitura que o pontífice traz em sua simples e densa mensagem, partindo do princípio de que “a escuta continua essencial para a comunicação humana”. E a pergunta que me guiou durante a leitura e reflexão da carta foi: eu sei, de fato, escutar?
O indicativo de Francisco, que é, inclusive, o título da mensagem, é que é preciso “escutar com o ouvido do coração”. É preciso acreditar nesta verdade, é preciso acreditar que o nosso coração tem ouvidos. É uma metáfora muito real, pois somos capazes de distinguir pessoas que agem verdadeiramente com o coração, que agem de coração, daquelas que não agem. No cotidiano, facilmente reconhecemos as pessoas que escutam com o coração. Elas demonstram atitudes de uma alma pacificada, dão valor ao que realmente é necessário e têm o passo no compasso certo.
Escutar nos remete à fala, a palavras… nos remete à Palavra! Nas sendas da espiritualidade, é preciso uma atitude comprometida do comunicador para escutar Aquele que Se fez Palavra. Esta arte, que precisa ser trabalhada todo o tempo, só acontece a partir do silêncio, algo tão difícil nestes tempos barulhentos. Na mensagem para o 46º Dia Mundial das Comunicações Sociais (2012), o Papa Bento XVI afirma que “o silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos.” Recuperar a mística do silêncio implica descobrir que nele é possível falar com Deus e de Deus, como ensina o papa emérito na mesma mensagem. É redescobrir que a comunicação existe no silêncio, que a escuta existe no silêncio.
O educador Rubem Alves, num texto bastante conhecido, intitulado A arte de ouvir, diz que ao prólogo joanino de que no princípio era o Verbo, ele acrescentaria: “Antes do Verbo era o silêncio. É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados”. O silenciar-se é, inclusive, uma condição para ouvir Deus que, como afirma Francisco, “sempre Se revela comunicando-Se livremente” e a resposta da humanidade deve ser “sintonizar-se, colocar-se à escuta”. Muitas vezes ordenamos que Deus nos escute, mas somos incapazes de escutá-Lo.
Corriqueiramente, e talvez erroneamente, associemos escuta a fones de ouvido. Não raras vezes, encontramos imagens e peças publicitárias que trazem pessoas fechadas em seu mundo, com enormes fones. Nem sempre este ato representa a escuta de si mesmo, mas, um alheamento ao mundo que o cerca e, consequentemente, ao outro. Pode indicar uma atitude individualista, de quem não se preocupa com aquilo que está à sua volta. Na rua, no ônibus, na academia e até dentro das próprias casas, encontramos pessoas constantemente à procura do barulho, em seus fones de ouvido. Quantas vezes precisamos nos esforçar grandemente para atrair a atenção de uma pessoa que está fechada em seu mundo.
Esta imagem é um indicativo para pensar o valor do outro, a partir do que Francisco descreve na mensagem como “o eu e o tu encontram-se ambos ‘em saída’, tendendo um para o outro.” Ele acentua fortemente a capacidade de escutar o outro trazendo a importância do “apostolado do ouvido”, a referência ao teólogo Bonhöffer de que “quem não sabe escutar o irmão, bem depressa deixará de ser capaz de escutar a Deus” e que “não se faz jornalismo sem a capacidade de escutar”. Ora, o escutar exige a capacidade pessoal e o esforço social de sair do mundo dos monólogos, das verborragias. O escutar exige tempo e atenção, exige calma e alma.
O reaprender a escutar passa pelo reaprender a encontrar, a conviver, a reconhecer o eu-tu, aquilo que o jornalista e teólogo Martin Buber apresenta na sua magna obra Eu e Tu, que “todo viver real é encontro”[1]. Esta é a dinâmica da própria vida, feita de encontros, “embora haja tanto desencontro pela vida”, poetizou Vinicius de Moraes no Samba da bênção. Os comunicadores ajudam a construir a cultura do encontro na medida em que testemunham os valores do Evangelho e ajudam as pessoas a compreender a alteridade. Este talvez seja um conceito em crise no nosso tempo e a mensagem do Papa Francisco indica a escuta como um caminho fecundo para recuperá-lo. Escutar é um exercício de alteridade que se dá a partir do diálogo, a partir do encontro presencial e a partir do encontro que realiza por meio das plataformas.
Talvez não precisemos de muito para escutar o outro. Tempo e rebaixamento creio que são essenciais. Tempo para acolher o outro, para entrar em seu mundo-vida e crescer com sua experiência. Rebaixamento, pois este é um exercício fundamental na comunicação. Papa Francisco, em entrevista ao sociólogo francês Dominique Wolton publicada no livro O futuro da fé, aponta que “se eu não saio de mim mesmo para procurar o outro me rebaixando, não há comunicação possível!” Esta foi a forma de Deus Se comunicar, inclusive! A mestra de oração e doutora da Igreja, Santa Teresa de Jesus, reza: “Seja louvado para sempre, amém, o Senhor que, rebaixando-se em se comunicar com tão miseráveis criaturas, quer mostrar assim a Sua grandeza”[2].
Francisco ainda dedica algumas linhas a afirmar que existe uma surdez interior e que esta é pior do que a física. O filósofo Maurice Merleau-Ponty, na Fenomenologia da Percepção, discorre que o sujeito surdo, ou cego, não rompe a comunicação com o mundo em geral. Para ele, sempre há algo diante do sujeito, “o ser para decifrar” e que “essa possibilidade é fundada para sempre pela primeira experiência sensorial, por mais estreita ou por mais imperfeita que ela possa ser”[3]. De fato, há irmãos e irmãs surdos que escutam muito mais do que ouvintes. É o exemplo vivo do que o papa coloca na mensagem que, “de fato, a escuta não tem a ver apenas com o sentido do ouvido, mas com a pessoa toda. A verdadeira sede da escuta é o coração.”
Escutar prescinde parar um pouco, olhar nos olhos, sentir o pulsar do coração. Sem essa capacidade, produz-se uma comunicação mecânica e distante da realidade. Escutar, na comunicação com o outro, segundo o Papa Francisco, “é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cômoda condição de espectadores” (Evangelii Gaudium, n. 171)
A celebração do Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, em sua 56ª edição, é um convite para reaprender a escutar: a si mesmo, a Deus e ao outro. Na era da velocidade, é preciso dar tempo ao tempo, escutar a escuta, decantar os sentimentos e aprendizados, certos de que a nossa comunicação só será plena quando for reflexo não do que falamos, mas do que escutamos.