Especial São Carlos Borromeu: dedicação a Cristo e à sua Igreja
Da Redação, com informações e foto do Portal Vatican News
Hoje, 4 de Novembro, a Igreja recorda, como todos os anos, a figura de São Carlos Borromeu, bispo e confessor. Dado que recebi no Baptismo precisamente o nome deste Santo, desejo dedicar-lhe a reflexão da hodierna audiência geral, fazendo referência a todas as precedentes reflexões do mês de Outubro. Procurei nelas — depois de alguns meses de intervalo, causado pela permanência no hospital — compartilhar convosco, caros Irmãos e Irmãs, aqueles pensamentos, que nasceram em mim sob o influxo do acontecimento de 13 de Maio. A reflexão de hoje insere-se também nesta trama principal. A todos aqueles, que no dia, do meu Santo Padroeiro se unem a mim na oração, desejo uma vez mais repetir as palavras da Carta aos Efésios, que referi na quarta-feira passada: Orai “por todos os santos, e também por mim, para que me seja dado anunciar corajosamente o Mistério do Evangelho, do qual.., sou embaixador…” (Ef 6, 18-20).
São Carlos é precisamente um daqueles Santos, a que foi dada a palavra “para fazer conhecer o Evangelho” de que era “embaixador”, tendo herdado esta missão dos Apóstolos. Desempenhou esta missão de modo heróico com total dedicação das suas forças. A Igreja olhava para ele e com ele se edificava: num primeiro tempo, no período do Concílio Tridentino, em cujos trabalhos participou activamente a partir de Roma, mantendo o peso de uma correspondência contínua, colaborando para levar a um favorável êxito a fadiga colegial dos Padres Conciliares segundo as necessidades do Povo de Deus de então. E eram necessidades urgentes. Em seguida, o mesmo Cardeal como Arcebispo de Milão, sucessor de Santo Ambrósio, torna-se o incansável realizador das resoluções do Concílio, traduzindo-as na prática por meio de diversos Sínodos diocesanos.
A ele a Igreja — e não só a de Milão — deve um radical renovamento do Clero, para o qual contribuiu a instituição dos Seminários, cujo início remonta precisamente ao Concílio de Trento. E muitas outras obras, entre as quais a instituição das confrarias, das associações pias, dos oblatos-leigos, que já prefiguravam a Acção Católica, os colégios, os hospitais para os pobres, e por último a, fundação em 1572 da Universidade de Brera. Os volumes da “Acta Ecclesiae Mediolanensis” e os documentos relativos às visitas pastorais manifesiam esta intensa e esclarecida actividade de São Carlos, cuja vida se poderia simplificar em três magníficas expressões: foi Pastor Santo, Mestre esclarecido, ilustrado e sagaz Legislador.
Quando, algumas vezes na minha vida, tive ocasião de celebrar o Santíssimo Sacrifício na cripta da Catedral de Milão, em que repousa o corpo de São Carlos, apresentava-se-me diante dos olhos toda a sua actividade pastoral dedicada até ao fim ao Povo, para o qual tinha sido mandado. Encerrou esta vida no ano de 1584, na idade de 46 anos, depois de prestar heróico serviço pastoral às vítimas da peste que tinha atacado
Eis algumas palavras pronunciadas por São Carlos, indicativas daquela total dedicação a Cristo e à Igreja, que inflamou o coração e a inteira obra pastoral do Santo. Dirigindo-se aos Bispos da região lombarda, durante o IV Concílio Provincial de 1576, assim os exortava: “São estas as almas, para cuja salvação mandou Deus o Seu Único Filho Jesus Cristo… Indicou também, a cada um de nós Bispos, que somos chamados a participar na obra de salvação, o motivo mais sublime do nosso ministério e ensinou que sobretudo o amor deve ser o mestre do nosso apostolado, o amor que’ Ele (Jesus) quer exprimir, por nosso meio, aos fiéis a nós confiados, com a frequente pregação, com a salutar administração dos sacramentos, com os exemplos de uma vida, santa.., e com. o zelo incessante” (cf. Sancti Caroli Borromei Orationes XII, Romae 1963 — Oratio IV).
O que inculcava aos Bispos e aos Sacerdotes, o que recomendava, aos fiéis, era ele o primeiro a praticá-lo de modo exemplar.
No Baptismo recebi o nome de São Carlos. Foi-me dado viver nos tempos do Concílio Vaticano II, que, do mesmo modo que outrora o Concílio Tridentino, procurou mostrar a direcção do renovamento da Igreja segundo as necessidades dos nossos tempos. Neste Concílio foi-me dado participar do primeiro dia até ao último. Foi-me dado também — como ao meu Patrono — pertencer ao Colégio Cardinalício. Procurei imitá-lo„ introduzindo na vida da Arquidiocese de Cracóvia o ensinamento do Concílio Vaticano II.
Hoje, no dia de São Carlos, medito na importância que tem o Baptismo, no qual recebi precisamente o seu nome. Com o Baptismo, segundo as palavras de São Paulo, somos mergulhados na morte de Cristo para receber deste modo a participação na sua Ressurreição. Eis as palavras que o Apóstolo escreve na Carta aos Romanos: “Pelo Baptismo sepultamo-nos juntamente com ele, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos, mediante a glória, do Pai, assim caminhemos nós também numa vida nova. Uma vez que nos tornámos com Ele num mesmo ser, por uma morte semelhante à Sua, também o seremos por uma ressurreição semelhante” (Rom 6, 4-5).
Mediante o Baptismo cada um de nós recebe a participação sacramental nessa Vida que merecida através da Cruz — se revelou na ressurreição do Senhor nosso e Redentor. Ao mesmo tempo, radicando-nos com todo o nosso ser humano no mistério de Cristo, somos n’Ele pela primeira vez consagrados ao Pai. Realiza-se em nós o primeiro e fundamental acto de consagração, mediante o qual o Pai aceita o homem como Seu filho adoptivo: o homem é dado a Deus, para que nesta filiação adoptiva cumpra a Sua vontade e se torne de modo cada vez mais completo parte do Seu Reino. O Sacramento do Baptismo inicia em nós aquele “sacerdócio real”, mediante o qual participamos na missão do próprio Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei.
O Santo, de quem recebemos o nome no Baptismo, deve tornar-nos constantemente conscientes desta filiação divina que se tornou o nosso dote. Deve também sustentar cada um em formar toda a vida segundo a medida daquilo em que’ se tornou por obra, de Cristo: por meio da Sua morte e ressurreição. Eis o papel que São Carlos desempenha na minha vida e na vida de todos aqueles que Usam o seu nome.
O acontecimento de 13 de Maio permitiu-me olhar para a vida de modo novo: esta vida cujo início anda unido à memória dos meus Pais e ao mesmo tempo ao mistério do Baptismo e com o nome de São Carlos Borromeu.
Cristo não falou acaso do grão que, sendo lançado à terra, morre para dar fruto (cf. Jo 12, 24)?
Não disse acaso Cristo: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por’ Minha causa encontrá-la-á (Mt 16, 25)?
E além disso: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer crescer na Geena o corpo e a alma” (Mt 10, 28).
E ainda: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13).
Todas estas palavras aludem àquela maturidade interior, que a fé, a esperança e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo levam a que a alma humana atinja.
Olhando para a minha vida na perspectiva do Baptismo, olhando através do exemplo de S. Carlos Borromeu, agradeço a todos os que, hoje, em todo o período passado e continuamente ainda agora, me sustentam com a oração e por vezes também com grande sacrifício pessoal. Espero que, graças a esta ajuda espiritual, poderei atingir aquela maturidade que deve tornar-se o meu dote (assim como também o dote de cada, um de nós) em Jesus Cristo Crucificado e ressurgido — para o bem da Igreja e a salvação da minha alma —, assim como ela se tornou dote dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e de tantos Sucessores de São Pedro na Sé Romana, à qual, segundo as palavras de Santo Inácio de Antioquia, incumbe “presidir na caridade” (Carta aos Romanos, Inscr.: Funk, Patres Apostolici.
PAPA SÃO JOÃO PAULO II
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 4 de Novembro de 1981