Aqui está um desafio enorme no tratamento adequado das verdades intocáveis da fé cristã católica. Uma intocabilidade que não pode render dogmatismos e intolerâncias, a incapacidade para o diálogo, sobretudo, com aqueles que pensam diferentemente. Não se trata de ser porta-voz de um pensamento e de argumentações conceituais na contramão das verdades da fé. Contudo, é preciso evitar o risco de um tratamento conceitual tão rígido destas verdades que impossibilite os intercâmbios de argumentação com quem pensa diferente.
Exemplar é a atitude do Papa Francisco, quando dialogou abertamente com Eugenio Scalfari, fundador do Jornal La Repubblica, sobre fé e laicidade. O pontífice responde a perguntas que lhe tinham sido feitas. Uma atitude sabiamente evangélica, na linha da dinâmica missionária do apóstolo Paulo que vai ao areópago de Atenas para dialogar, também com não crentes. No mesmo horizonte, São Francisco de Assis, firmado e enraizado no Senhor Único, desenha um caminho de diálogo de inigualável universalidade e respeito, das criaturas todas até a grandeza encantadora da dignidade humana.
A necessidade da superação da incomunicabilidade que se instalou entre a Igreja e a cultura de inspiração cristã, de um lado, e do outro a cultura moderna, frisa o Papa Francisco, estabelece como tarefa missionária o diálogo aberto. Este é o caminho para reabrir as portas para um sério e fecundo encontro, não apenas entre aqueles que estão dentro da Igreja, mas também com os que estão distantes. A verdade da fé é conceitual e vivencialmente inegociável, mas a atitude de dialogar, sem medo, é necessária e inteligente.
É preciso superar o medo que vem da rigidez conceitual estéril, pois o cumprimento da missão da Igreja não é uma mera conservação. Na verdade, o diálogo autêntico é aquele no qual se estabelece uma relação viva entre as pessoas. Esse é o autêntico sentido da ordem que o Mestre dá a seus discípulos quando lhes diz “Ide.” Trata-se de um desafio, e também prioridade na missão da Igreja, a tarefa de multiplicar oportunidades de diálogo, tanto internamente, mas também fora, para além dos nossos muros. E neste horizonte, as academias católicas têm um papel fundamental, que inclui a coragem de atrair, por convite ou por competência reconhecida, por cientificidade ou por credibilidade, intelectuais de diferentes matizes para ouvi-los, passo primeiro e insubstituível na cultura do diálogo. Assim se estabelece um produtivo confronto. Vale lembrar a postura exemplar do Papa Emérito Bento XVI que, em diálogo com o matemático ateu Piergiorgio Odifreddi, agradece pela oportunidade do confronto, quando pôde observar ao seu interlocutor que sua religião matemática deixava de fora temas fundamentais como a liberdade, o amor e o mal.
A postura de academias católicas que buscam o diálogo com ateus e pensadores é louvável. Particularmente, quando essas instituições refletem a espinhosa temática da secularização, religião e sociedade. Assim configuram-se caminhos para que a missão da Igreja não corra o risco de se reduzir a repetições estéreis, apropriações conceituais até exatas, mas pouco incidentes para gerar discípulos de Jesus. Que a lucidez de Bento XVI e o pastoreio interpelante do Papa Francisco balizem o caminho missionário de uma Igreja em diálogo, estabelecendo caminho para que o mundo creia.