Pe. Rubens jan 11, 2019

Canteiros da paz

Canteiros da paz

Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte

 

Um olhar sobre os acontecimentos ao redor do mundo indica que é urgente superar a violência, transformando as famílias, as cidades e as instituições todas em canteiros onde se cultive a paz. É preciso contribuir para que as dinâmicas capazes de criar a harmonia e a fraternidade prevaleçam no cotidiano de todos. O primeiro passo é fortalecer a paz no próprio coração, compromisso inadiável para reverter um preocupante cenário: o recrudescimento da violência. O consequente medo provocado por essa situação faz com que as pessoas se distanciem umas das outras, causando uma indiferença generalizada. Esse comportamento não contribui para semear a paz. Alimenta ainda mais a violência.

Em vez de buscar segurança no isolamento, acentuando distâncias, a humanidade precisa qualificar o modo como vê o mundo, indica o Papa Francisco. A percepção da realidade deve ser iluminada pela sabedoria da fé, permitindo que todos se reconheçam como parte de uma grande família. Assim, cada pessoa vai compreender que o outro também tem o direito às riquezas da Terra. A fé contribui para que haja a saudável alegria em ver o outro feliz.  Alimenta o compromisso com a vivência da solidariedade – partilhar com quem precisa de ajuda.

O olhar contemplativo à luz da fé faz brotar a consciência indispensável para ser verdadeiramente cidadão – operário que semeia diferentes canteiros da paz. Imagine uma cidade compreendida como um canteiro da paz.  E cada indivíduo, no seu campo de ação, no exercício de suas tarefas, agindo como operário que cultiva a paz. O resultado será o compromisso efetivo com a solidariedade, fraternidade e o gosto pelo bem, pela verdade e pela justiça. Para alcançar esse cenário ideal, uma certeza precisa ser aprendida e vivenciada: a reverência a Deus tem força educativa, com incidência transformadora em mentalidades e corações. Corrige descompassos terríveis que têm raízes na delinquência presente em toda parte.

Singular experiência, cultivar um olhar contemplativo, à luz da fé, é investir na capacidade para discernimentos e intuição de caminhos novos. Permite superar o marasmo que enjaula, na mediocridade, os responsáveis pela construção da sociedade.  Esses descompassos é que contaminam discernimentos, fazendo com que sejam priorizados interesses contrários ao bem comum e à justiça.  A falta do olhar que ultrapassa as superficialidades cristalizadas, possibilitando enxergar a própria interioridade, é que diminui, inclusive, a possibilidade de surgirem novos líderes. Sem clareza, habitua-se à ganância sem limites, busca-se apenas ajuntar para si.

Ver para além das aparências, graças à luz que se propaga com a presença amorosa de Deus, permite encontrar respostas para os enormes desafios que ameaçam a paz neste momento da história. Não bastam as considerações políticas, as estratégias adotadas com o objetivo de alcançar determinados números. Capacitar-se para ter um olhar contemplativo, experiência humana e espiritual, é uma necessidade. Abrir mão ou relativizar essa experiência significa adiar ou banir do horizonte a possibilidade de se conquistar uma competência indispensável para se buscar a cultura da paz.

A paz é também uma ciência com gramática específica, a ser aprendida, ensinada e testemunhada. Ela não “cai do céu”. É, pois, uma construção que exige o engajamento permanente de todos no irrestrito e incondicional dever de promover e respeitar direitos. Sem esse compromisso, perde-se a possibilidade de alcançar a verdadeira paz. O olhar contemplativo, que pressupõe a luz da fé e se desdobra no irrestrito respeito aos direitos de cada pessoa, deve inspirar as atitudes nos diversos contextos sociopolíticos e culturais. Todos unidos, trabalhando para fazer com que as cidades, famílias, instituições e outros ambientes sejam canteiros da paz.

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