Quando as Mulheres Oram
Dom Eduardo Malaspina
Geralmente o primeiro contato com a oração se dá na infância, através de nossas mães e avós. Entre uma cantiga e outra, cantaroladas ou murmuradas, surgem palavras voltadas a Deus. São preces, invocações, súplicas, agradecimentos. Apesar de nada entendermos, são esses momentos doces que, no aconchego seguro do colo, nos fazem dormir em paz.
Mas, há um momento em que aprendemos a diferença entre uma cantiga de ninar e a oração. Recordo muitas mulheres que povoaram minha infância e adolescência e suas orações. Elas oravam com tanta certeza que, mesmo não vendo Deus, acreditavam que Ele estava ali. Foi com elas que aprendi a falar com Deus e recebi o dom da fé. Hoje, à frente de uma paróquia como sacerdote, pastor de um rebanho diversificado, continuo a constatar que a oração das mulheres se destaca pela frequência, pela qualidade e pelo poder. Não significa que os homens não orem, ou que suas orações sejam mais fracas que as das mulheres ou, ainda, que Deus ouça mais a um do que a outro. O que destaco como sendo próprio das mulheres é aquela oração que se dá nas entrelinhas do cotidiano. Aquela, muitas vezes balbuciada, como um lamento ou um cochicho ao pé do ouvido, um resmungo contínuo que surge em meio à trama que compõe a tela dos afazeres. Enquanto amassam o pão, viajam em seus pensamentos e vão ao encontro das necessidades dos filhos, não importa quantos sejam e, com a mão na massa e o coração neles, pedem a Deus por eles. E não pedem qualquer coisa, pedem o que julgam ou o que entendem ser melhor a cada um. Mesmo na correria do dia a dia, no metrô ou ônibus, lavando ou cozinhando, administrando a empresa ou lecionando, o tempo parece estender-se para que as poderosas orações sejam proferidas. Elas oram por todos e por tudo. Uma oração diferente, completa e que, certamente, encontra em Deus acolhida e resposta.
Na Sagrada Escritura há diversas mulheres que se sobressaem no meio do povo. Elas possuem tarefas específicas, até mesmo muito particulares. Não são semideusas e nem têm potencial super-humano de vida. Elas – independente da veracidade da existência histórica- representam a força de Deus, que salva o Seu povo. Elas são exemplo não só do combate e da resistência das mulheres, mas, sim, de todo o povo de Israel. Por isso, a vitória é sempre de um povo e não de uma heroína! Dessa forma, sem negar a missão de cada pessoa, quero dizer que a História não é a história de grandes mulheres e grandes homens, mas um conjunto de muitas cores e fios entrelaçados. Reduzir a História à condução de algumas e alguns que obtiveram “maioridade” humana, de certa forma é limitar a nossa responsabilidade como sujeitos da história e colocá-la nas mãos de poucas e poucos iluminados. Todos nós temos um papel a ser cumprido, assim como Mirian[1], Debora[2], Hulda[3], Sara e Agar[4], Ana[5], Rute[6], Judite[7], Ester[8], a mãe dos Macabeus[9] e Resfa[10].
Essas marcas da atuação feminina no Antigo Testamento continuam no Novo Testamento. A partir da novidade da intervenção de Jesus na História humana temos Maria de Nazaré[11], Isabel[12], Maria Madalena[13], Maria, mãe de Tiago e de José, Salomé,[14] Joana[15], mulher de Cuza, Susana[16], a Samaritana[17], Marta e Maria[18], irmãs de Lázaro, Júnia[19], Febe[20], Priscila e Áquila[21], Maria, mãe de João Marcos, Lídia[22], Maria, Trifena, Trifosa e Pérside[23].
Talvez você se pergunte: o que posso fazer para cumprir com o que Deus espera de mim? Como devo me relacionar com Ele? Calma! Deus a encontra onde você está! Como o jesuíta indiano Anthony de Mello disse um dia: “Você não precisa mudar para Deus amá-lo”. Somos amados e amadas mesmo em nossas imperfeições. E Ele pode nos encontrar a qualquer momento, mesmo que as coisas pareçam confusas. Na verdade, a sua casa espiritual não precisa estar arrumada para Ele entrar! Não é preciso que a sua vida se aquiete ou que as coisas estejam todas em ordem para que Ele se achegue! Não foi assim que aconteceu com aquelas mulheres angustiadas, abatidas, preocupadas e confusas que foram ao túmulo do Senhor logo de madrugada? Jesus, o Mestre dos encontros, as encontra no pior dos seus momentos.
Papa Francisco afirma que as mulheres tiveram um papel primordial e fundamental na compreensão da fé e na História da Igreja. Perante o túmulo vazio, “os apóstolos e os discípulos não acreditavam que Cristo tivesse ressuscitado, mas as mulheres, sim”,[24] diz o Papa! Elas acreditaram e testemunharam porque se viram impulsionadas pelo amor. Há nas mulheres, uma notória capacidade de ir muito além do tangível e de seguir a intuição. As mulheres que chegam ao túmulo de Jesus não hesitam: sabem que devem cumprir o dever de cuidar do corpo morto do seu Senhor e, precisamente pela sua capacidade de não perder o ânimo, de estar sempre alerta, são as primeiras destinatárias da Ressurreição. Na verdade, qual coração, a não ser o de uma mulher, é capaz de se aproximar com ternura de lugares de sofrimento, abandono e morte? As mulheres que chegam ao sepulcro são a imagem de tantas, espalhadas pelo mundo, que, diante da morte, das situações difíceis e às vezes desesperadoras, não desistem e continuam trabalhando.
Este texto deseja ser uma vela constantemente acesa a iluminar as tantas orações que, neste exato momento, estão sendo feitas por milhares de mulheres. Sei também que, enquanto leem, muitas de vocês estão orando, em seus corações, por seus filhos, esposos, amigos, parentes e até por mim, padre. De antemão agradeço-lhes por isso. Suas orações são como garoa boa sobre o solo, muitas vezes árido, a ser cultivado. Lembro que o Papa Bento XVI, em uma de suas catequeses, nos diz que escutar, meditar, ficar em silêncio diante do Senhor que fala é uma arte, que se aprende praticando com constância. “Certamente a oração é um dom que requer, todavia, ser acolhido; é obra de Deus, mas exige compromisso e continuidade de nossa parte, sobretudo a continuidade e a constância são importantes”[25], explica.
Mas as mulheres não são de aço, tampouco são impermeáveis aos ataques constantes da indiferença, do cansaço, da incredulidade e da desesperança. Algumas, abatidas, com o tempo vão deixando de lado esse dom extraordinário com que o Pai da misericórdia as presenteou. Assim, este texto é para dizer: não cessem de orar, o mundo precisa de suas orações. Em meio a tanta hostilidade, insegurança, medo e egoísmo que assolam a sociedade, não há nada mais urgente e preciso que a paz de um colo seguro.
Lembremos que, quando nos dirigimos ao Pai na nossa morada interior, no silêncio e recolhimento, nunca estamos sozinhos. Bento XVI afirma que quem fala com Deus não está sozinho. “Estamos na grande oração da Igreja, somos parte de uma grande sinfonia que a comunidade cristã, espalhada em todas as partes da terra e em todos os tempos, eleva a Deus; claro, os músicos e os instrumentos são diferentes – e isso é um elemento de riqueza , mas a melodia de louvor é única e em harmonia”.[26]
Que a nossa oração não seja ocasional, mas intensa, constante, cheia de plena confiança, capaz de iluminar a nossa vida, como nos ensina Jesus. Que ela seja transbordante a ponto de comunicar às pessoas que nos são próximas, àquelas que encontramos na nossa estrada, a alegria do encontro com o Ressuscitado, Senhor e Luz da existência.
